No dia 29 de janeiro de 2004, um grupo de pessoas trans foi a Brasília para lançar para o Congresso Nacional a campanha Travesti e Respeito, em parceiro com o Ministério de Saúde, que promovia os direitos e o respeito às pessoas trans.

17 anos depois, nós falamos com Yasmin Vitória sobre o que o Dia da Visibilidade Trans significa para ela em 2021.


1. Fale um pouco sobre você e sua jornada que levou até onde está agora.

Como uma trans preta de origem periférica, acredito que a minha história e vivências sejam próximas de muitas outras pessoas que possuem os mesmos marcadores sociais que os meus, apesar de acreditar tambem que somos um grupo heterogêneo cujas experiências não são universais, mas próximas por conta de um sistema que oprime pessoas como nós. Filha de mãe solo e solteira, nunca passei por falta extrema de necessidades básicas, mesmo vindo da favela da zona sul de São Paulo e com poucos recursos e ainda sem ter referências na família que pudesse me espelhar daquilo que eu considerava “ser bem sucedido”. Então eu olhava para a minha realidade, de onde vim, e algumas pessoas que tinham os objetivos totalmente diferentes dos meus, e não conseguia me identificar com nada, apesar de ter nascido num lugar que me abraçou por 25 anos e onde cresci, mas que começou a ser hostil quando traços, trejeitos e personalidades femininas começara a aparecer. Então eu sempre pensei comigo: vou transformar minhas dificuldades em realidades. Cheguei até aqui por conta de quem fui, de onde estava, e de algumas molas propulsoras que me fizeram pular, mesmo com os ônus diários. Além da força interna, nos últimos anos, fui apoiada por muitos aliados e tive oportunidades para adentrar, crescer, desenvolver e me ascender, então foi um mix de esforços individuais com oportunidades.

2. O que o Dia de Visibilidade Trans significa para você este ano?

Significa um marco civilizatório da nossa existência. É importante termos uma data base, mas sobretudo celebrar diariamente a nossa vida através da ação empírica do verbo estar, permanecer, adentrar, penetrar, acessar, ascender e afins. Não existem coisas e pessoas sem nome. Por isso é importante datarmos conquistas, pessoas do movimento e lutas, pois existimos e nada pode ser em vão, principalmente para a gente que precisa vibrar a cada noite mais um dia por estarmos vivas, numa realidade brasileira assassina.

3. Qual é o avanço mais importante para você em relação à inclusão trans no local de trabalho brasileiro? Quais são os próximos passos para a comunidade trans no futuro?

O avanço mais importante é a possibilidade de existir nesses lugares que sempre foram renegados a nós. Existir, penetrar e se desenvolver. Ainda estamos muito aquém do justo e certo a ser feito, mas entendo que são babies steps. Particularmente, acredito que a luta é constante e além de falar sobre isso, as empresas precisam agir. Acho que talvez seja esse o maior desafio! Os discursos são importantes, mas não promovem movimentação e inclusão na prática. Não há uma cartilha para se incluir uma trans, a não ser a ação, respeito, intencionalidade e possibilidades de fazer essa profissional entrar e crescer nesses ambientes de trabalho de privilégios.

4. Qual conselho você daria a uma pessoa trans que tem dificuldades no local de trabalho por causa de sua identidade?

 É ônus e bônus! Não há receitas, fórmulas magicas ou palavras que possam amenizar as ocorrências das nossas vivencias. Então seja sagaz, persiga seus sonhos e objetivos e busque sim até conseguir. Sei que muitas de nós não tem acesso, mas esse limitador não pode ser um atraso nem muito menos um paralisador. Seja responsável pelo sucesso do seu futuro e não ha problema em começar de baixo, como já foi o meu caso. E claro, busque empresas que tenha valores iguais ou parecidos com os seus e o que você acredita, pois tem coisas na vida que a gente não perde, mas se livra.

Yasmin Vitória é heterossexual, transgênero e negra. É administradora, speaker e ativista transgênero e hoje trabalha na área de Customer Sucess na Salesforce.